terça-feira, dezembro 25, 2007

Feliz Natal


Então é Natal. E eu me pergunto e daí e sigo o raciocínio de Raul Seixas e completo - tenho uma porção de coisas pra conquistar e não posso ficar aqui parado. Foi bem o que senti ontem na farta ceia que enchia os olhos e as bocas dos cristãos que insistem em partilharem alguns genes comigo. Eu alheio, já que aqui sob o sol quente do Dia de Natal não há nada a se comemorar; talvez mastigar seja isso mesmo: um ato bovino para ativar o esquecimento. Eu lá suspenso a um metro do chão, cercado de bocas e dentes gargalhando, soltando o ar que engolem seco o ano inteiro; a observar a chuva que caía anunciando nada mais que o vazio suspenso sobre nós, meros humanos. Nem Deus, nem o menino Deus, nem o Papai Noel, nem a porra do Roberto Carlos; nenhum deles irá nos salvar. Por isso comemoramos; uma desculpa partilhada para a família espantar junto o vazio que a cerca - sendo bastante otimista da minha parte. Bem que tentei, não deu. À frente do espelho puxei com os dedos o canto dos lábios e, mostrando os dentes, segurei até onde pude a posição incomoda. Os músculos foram mais fortes, o peso de não ter fé em algo fácil agiu de forma cruel. Catei uma caixa de cerveja que havia separado para emergências, liguei o som e, a cada gole, busquei um motivo para partilhar aquela alegria. Faltou o cigarro. Talvez fosse isso. A falta do cigarro fez toda a diferença - fill your heart with smoke -; a fórmula estava incompleta. Erro meu. Nietzsche na cabeceira até que tentou, a mensagem de uma amiga por volta da meia noite até que fez diferença - um sopro de leveza para uma alma cheia -, mas ontem não era o dia. Estava sem graça, selvagem, sem esperanças - não é o filósofo alemão que diz que a esperança é na verdade o pior dos males, já que prolonga o suplício dos homens?! Bem, se assim for, então ontem, no final das contas, estava bem. Ou pelo menos a um passo da sanidade - e a embriagues é para a sanidade, assim como a doença é para a saúde, uma medida de cura. Vai ver que o Natal é isso, cura para os sem esperança e alegria para que a conseguem fácil. O difícil é saber qual é o lado mais pesado. Tendemos sempre a achar que o nosso fado é maior - eu com certa alegria, ou ressaca, penso que o melhor é esquecer... seja lá o que for.... - que venha o próximo!

segunda-feira, novembro 26, 2007

Amnésia (ou fantasmas da alma)

O que eu poderia escrever? Talvez sobre a falta que faz a vontade de escrever, talvez sobre como este blog um dia fez tanto sentido e hoje é só mais uma das coisas empilhadas num canto esquecido, junto com outras amnésias. Poderia ainda escrever sobre minha vida, mas o infinito digital não traz alento, muito menos salvação. Quem sabe escrever sobre um filme que assisti no cinema, ou em casa, mas não vejo mais tanta graça nisto - meu ego não infla mais com tais ninharias. Posso fazer um lamento em tom menor, ou esperar que alguém (uma só pessoa) leia isto e compadeça-se com o meu desterro. Só que prefiro o silêncio, por ser mais intenso, ou mais verdadeiro, talvez. Porque, meu pobre leitor, vivo na ponta dos pés a tomar cuidado por onde piso e a escutar os ecos do meu próprio corpo que insiste em ocupar um lugar no espaço e esbarrar em coisas frágeis mas muito poderosas. Porém, mesmo com todo o cuidado as coisas seguem se estilhaçando, rachando, estalando, como um gelo fino sob os pés. Não, não entro em pânico; sigo como quem acredita que um dia fará todo o sentido atravessar este deserto para no fim dele encontrar algo mais belo e verdadeiro do que a outra margem oferecia (Sim, como toda fé, isto que disse foi tolo e não se sustenta, mas estou cego e não adianta me advertir - outras pessoas, muitas, já o fizeram!). E este cuidado sem pânico, esta frieza (melancolia é uma palavra bonita, poderia usá-la, mas não, vou deixá-la aqui entre parêntesis mesmo) perante os acontecimentos mais absurdos não é segurança, de maneira alguma, é antes uma defesa, se pensarmos em termos psicológicos, ou uma mística, se escutarmos a desrazão que pulula dos intervalos. Enfim, estou escrevendo porque hoje tive uma daquelas já comuns aparições, aqueles fantasmas que habitam a alma - vi uma letra escrita em punho, tinta azul, pregada num corredor e a letra que não dizia nada, somente contava nomes, mostrava tudo - anunciava uma outra vida, paralela, aquela que não vivo, aquela que está por detrás do vidro - e isto sacudiu-me antes a alma, depois o corpo e o que restou foi somente este transbordar que deixo aqui, como um rastro... como um gemido... como algo que nem sei o nome...

segunda-feira, novembro 05, 2007

Amora?

Que Proibam Muito Mais
Preguem Avisos
Fechem Portas
Ponham Guizos

...
sem mais por enquanto. Em breve (?) eu darei chance às letras que explodem de meus dedos.

segunda-feira, julho 09, 2007

Caetano (não) é rock


Até uns três anos atrás quando me falavam de Caetano Veloso surgia na minha mente a figura de um sujeito babaca com um violão a tiracolo a cantar "Sozinho". É verdade, Caetano não deixou de ser um sujeito babaca, eu que deixei de ser burro. O (re)conhecimento do tropicalismo enquanto marco fundamental e transgressor na música brasileira ajudou a espantar um pouco aquela áurea banquinho-e-violão-para-meia-dúzia-de-boçais que faz parte do imaginário sobre o artista (que, é preciso dizer, ele mesmo ajudou a construir). Enfim, ao perceber o que se passa entre a imagem construída coletivamente e a mensagem transmitida pelo artista, pude aproximar-me com menos preconceito da obra do artista e consequentemente mergulhar de vez na música popular brasileira como um todo.

No último sábado, houve um show de Caetano aqui em Goiânia. O show foi parte da turnê do último disco de Caetano, (2006) - disco esse que é vendido como o "disco de rock de Caetano" ou "a volta de Caetano ao rock". Rótulo que cai muito bem quando não se conhece o suficiente a trajetória do artista baiano. Aliás, é preciso dizer, Caetano nunca foi rock; há nos discos tropicalistas do artista uma forte aproximação ao pop, o rock como (ex?)representante-mor daquele entra no balaio de discos como o de 1969 e Transa (1972), portanto. Enfim, quebrei meu porquinho e fui assistir ao tal show de rock de Caetano.

Ao chegar ao local do show senti uma falsa surpresa ao constatar que estava vazio demais. Falsa surpresa porque já sabia que por aqui é difícil convencer muitas pessoas a assistirem a um show de Caetano, ainda mais num dia de jogo da Seleção brasileira e, como agravante, com os preços dos ingressos nada convidativos. O local de show não era nada aconchegante: um salão de clube já tradicionalmente improvisado para eventos musicais e outros nem tanto. Afora o preço dos ingressos, o frio cortante e as socialites (inclusive uma cambista! - está cada vez mais down na high society) tudo parecia bem. Foi possível assistir ao show com certa liberdade visual, sonora e espacial.

Surpreendentemente os primeiros acordes de guitarra foram ouvidos com somente alguns minutos de atraso. A figura daquele sujeito que vez ou outra aparece nos media a tratar de assuntos irrelevantes de maneira quase sempre ruidosa se desvaneceu; surgiu em seu lugar um velho vestido com uma jaqueta jeans, sobre a camiseta roxa, e uma calça Lee cuidadosamente rasgada em certos pontos das coxas e canela. "Você nem vai me reconhecer quando eu passar por você", dizia a letra enquanto um punk rock tosco (não, neste caso não é redundância!) o seguia. A face velha sob o cabelo branco foi rasgada de ponta-a-ponta pelo indefectível sorriso do baiano, enquanto as mãos e os quadris seguia uma dança a la Elvis Presley; reaparecia ali Caetano Veloso. A iluminação roxa, a performance corporal, as letras e a (ótima) banda evocava a eterna puberdade roqueira, enquanto a figura do artista o tempo inteiro a manipulava a torto e a direito. Caetano Veloso é um pastiche de rocker - seja acenando ao público, seja na ridículas corridinhas jaggernianas, seja no violão vazado e abafado pela estridência da banda.

No show Cê, fica claro o que no disco já era perceptível: a idéia de que o (re)encontro entre Caetano Veloso e o rock é uma farsa. A eterna juventude roqueira é ali afirmada ao mesmo tempo em que se afirma e se esconde o envelhecimento do/no rock. O rock exige a apropriação de uma nova postura corporal para Caetano e o corpo já velho exige do rock uma subserviência a seus limites.O corpo que contorce, deixando a pelvis à frente, verte violência (sexual) sempre presente e necessária, enquanto as letras simulam espontaneidade e virilidade. São evidenciadas, portanto, as relações nada simples entre sexualidade e juventude em um estilo musical que já passa dos cinqüenta (Rolling Stones, Mutantes, Roger Waters, Pete Townshend e Robert Plant são algumas das sombras de uma geração que envelheceu com o rock) explicitando assim algumas engrenagens da indústria do rock.

Nestes tempos em que Lobão se acalma no banquinho-e-violão cantando loas a indústria fonográfica, Caetano Veloso se ergue com premeditada e sarcástica fúria à frente de um power-trio, formado por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e piano rhodes) e Marcelo Callado (bateria), deixando claro a sua idéia de que por mais bem feito que o rock possa ser feito fora dos Estados Unidos, será sempre um pastiche... Ao apropriar-se e desnudar os cacoetes do rock, Caetano desconstrói o rock (brasileiro) e o confunde com sua própria trajetória; destrói, assim, um mito e funda outro em seu lugar.

sexta-feira, junho 22, 2007

Por um nova cidade



No vídeo acima há uma interessante entrevista com ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa. Como prefeito da capital da Colombia, Peñalosa implementou um novo modelo de mobilidade na cidade, colocando o pedestre (e diversos meios de transportes ativos, incluindo-se aí o transporte público) como foco central das políticas públicas. O que se vê através das imagens e da fala do ex-prefeito é que uma nova cidade é possível: uma cidade em que o carro não é o senhor, com ruas que possibitam o convívio dos cidadãos e que expressam a alegria de se compartilhar um espaço público. Bacana!

(vídeo retirado de Apocalipse Motorizado)

sábado, junho 02, 2007

Cegueira


Dia desses vagava perdido num shopping esperando a Ju, minha namorada, comprar roupas. Como sempre, fico a olhar os livros de uma Mega Store. Coisa banal. Errava meu olhar por entre as capas coloridas e chamativas - cada uma a prometer um mundo próprio, em que o devaneio ali embutido tirava-lhe a materialidade - e, vez ou outra, tateava-os devolvendo-lhes a existência material; os dedos nesse instante percorrem as dobras e as imperfeições calculadas... Sigo a trilha indicada pela sessão de literatura brasileira, música (detenho-me um pouco mais) e chego com certa alegria à sessão de quadrinhos - tão sedutora e sorridente! O amor táctil nessa sessão é mais acentuado. Ali a sensação de tempo e espaço é, se não destruída, pelo menos amolecida; como naquele quadro de Salvador Dalí. Perdido em instantes naquela satisfação erótica e bovina não percebo que ao meu lado está uma pessoa. Normal, não fosse a atitude de reverência dele (era um homem entre, aparentemente, 35 e 40 anos de idade); curvava-se até o rés do chão com o livro na mão. Poxa, pensei. Continuei a olhar os quadrinhos, com certo incômodo. Só quando me viro de fato para o sujeito percebo, assustado, que o homem é praticamente cego! Ele se curvava, quase a mergulhar, no livro para absorver toda a luz dali refletida. Com uma avidez que nunca havia visto antes, aproveitava com fúria os fragmentos luminosos que sua retina conseguia captar. Talvez tenha uma doença degenerativa e está ficando cego aos poucos, pensei. Os desenhos e as palavras eram as últimas frações da realidade visual que teimava por fixar em sua retina. As sombras deitavam sobre seu mundo, como um crepúsculo longo e lento, e a cultura visual impingia-lhe uma reverência que o fazia curvar-se. Mas estava claro ali que não se curvava subjugado, antes mergulhava com todo o prazer possível naquele mundo de sombras que estava sendo anunciado, por isso delirava.... e eu, um bruto, só fui capaz de esboçar pesar.

quarta-feira, maio 23, 2007

Roberto e Erasmo - Tudo certo


Se Roberto Carlos representa uma face desagradável do Brasil (o subdesenvolvimento, o catolicismo e o autoritarismo), Erasmo Carlos suscita uma visão mais anárquica, leve e, por que não?!, festiva deste país. O recente caso do acordo entre RC e a editora Planeta para a proibição e queima (!) da biografia do auto-intitulado Rei, figura entre os acontecimentos mais ridículos da última onda de absurdos que o Brasil enfrenta. Se, por um lado, Roberto figurou em manchetes durante todo o desenrolar do caso, Erasmo foi uma espécie de ausência explosiva. Esse acontecimento declara em auto e bom som a dialética sem síntese que faz do Brasil, Brasil.

Podemos ver isso não só nesse acontecimento específico, mas também nos trabalhos autorais dos dois músicos. O último disco de RC, Duetos, lançado no final do ano passado, repete àquela autofagia decrépita que se tornou a sua figura - os convidados são meros suportes para a sua fantasmagoria. Já Erasmo Convida II é um alento; Erasmo imerge de tal maneira nas participações que, vez ou outra, nos perguntamos se o convidado ali é ele; leveza, alegria e sensibilidade emanam das canções. Entretanto, há uma ausência que paira por todo o disco; a figura de Roberto Carlos - a maioria das canções são parcerias entre os dois. Taí a dialética estática de que falei acima, ela nos lembra que a face do terrível por vezes se esconde no trivial; ou como diz a letra: "Tudo em volta está deserto tudo certo/ Tudo certo como dois e dois são cinco".

terça-feira, maio 08, 2007

Velho Chico


Chico Buarque fará dois shows aqui em Goiânia, dias 17 e 18 de Maio. Grande coisa. O mais engraçado é que um dia após o começo da venda de ingressos já se haviam vendido mais de mil; a goianada toda quer ver o velho Chico. Pode parecer implicância minha, mas acho realmente que não vale a pena pagar entre R$150 e R$200 (!), a inteira, para ver um músico em franca decadência. É sério, Chico Buarque é um dos músicos mais desproporcionalmente incensados do Brasil. Tudo que ele faz, antes mesmo de sair, já é perfeito (há quem diga que até as pelancas dele são). Ok, respeito o mau gosto alheio; entretanto, basta fazer um testezinho simples e rápido: ouça esse último disco, Carioca, três vezes seguidas - desconfio da pessoa com menos de 5 décadas de vida que passar por ele sem sentir um tédio profundo. Não que o show não possa ser tecnicamente perfeito, assim como o cd o é; pois, Chico faz-se acompanhar de músicos muito bons e o teatro onde vai tocar possui uma acústica e uma aparelhagem dignas e tudo mais. Mas, a questão não é essa. A questão é que são R$ 150, no mínimo, para ver/ouvir um artista que não faz nada interessante há pelo menos uma década! Essa gente só pode ser louca.
O velho Chico que me desculpe mas vou ficar por aqui vendo a banda passar e, se der, dou um aceno para quem vai.

sexta-feira, abril 27, 2007

Minoridade penal


Foi aprovado ontem, dia 26/04, na Comissão de Constituição e Justiça do Senado, o projeto para a redução da maioridade penal para 16 anos. Assistindo ao Jornal Nacional vi, pela risadinha de escárnio da apresentadora, Fátima Bernades, que a nação (?) endossa a lei com certo gozo. Sinceramente, não vejo graça nenhuma naqueles senhores gordos decidindo o futuro (?) do país; ainda mais em questões tão sérias como violência/criminalidade ou educação. Também, claro, não sou tolo de achar que os criminosos são pobres-coitados-frutos-de-um-sistema-podre e, por isso, devemos esperar dos céus uma solução rápida, fácil e... errada! Não, nada disso. A questão toda, penso, é que nesse caso estarão, os senhores políticos, fazendo um jogo com a população em que os maiores beneficiados serão eles mesmos (os políticos, claro!) enquanto a sociedade brasileira como um todo sairá perdendo, como sempre. Uma questão tão delicada quanto essa não pode ser aprovada assim tão facilmente; é necessário não só um diálogo mais amplo com a população, como reformas profundas na sociedade. Além do mais, sabemos que o sistema de encarceramento como forma de punição é nada mais que um processo de produção em série de marginais... Se aprovado esse projeto de diminuição da maioridade penal o problema da criminalidade não será resolvido (nem debatido) e, ato contínuo, os presídios públicos (além de superlotados) formarão criminosos cada vez mais perigosos com uma idade menor. Ou seja, o que já é ruim pode piorar.

quarta-feira, abril 18, 2007

O Cheiro do ralo


O Cheiro do Ralo, filme baseado no romance homônimo de Lourenço Mutarelli, beira a genialidade. Sério. Ainda assistindo, em meio a gargalhadas, pensava com certa inveja que queria ter escrito algo parecido. Melhor, queria ter sido eu o autor de O Cheiro do Ralo. Pretensão? Babaquice? Pode ser, mas o fato é este mesmo: o enredo é ao mesmo tempo tão banal e tão genial que qualquer um poderia ter escrito; mas somente Mutarelli o fez. Estória (história?) típica de um paranóico: cheia de obsessão, mania de perseguição e megalomania. Lourenço - interpretado por Selton Mello - é um comprador de objetos usados que se vê obsecado por uma bunda e perseguido pelo cheiro do ralo do banheiro do escritório [surreal] em que trabalha. Nada incrível, certo?! Mas a maneira como foi executada a idéia (e nisso entra o mérito inegável tanto dos roteiristas e diretores, quanto dos atores) deixa a coisa toda mais delirante do que a estória a princípio pode parecer. Figuras impagáveis, situações non-sense e um humor caustico [longe da prisão do politicamente-correto] compõem o ambiente de um dos melhores filmes brasileiros que vi ultimamente. O melhor do filme, a meu ver, é que sai daquele esquemão nordeste/pobreza/coitadinho-de-nós típico do cinema nacional. A imersão total no ambiente urbano e referências ao mundo pop [a cena em que a ex-atriz-cantora-e-modelo (sic) Tiazinha cita Nietzsche é simplesmente impagável] produzem aquela identificação quase imediata a que me referi acima, a ponto de achar que posso fazer igual. O Cheiro do Ralo é um filme simples e direto, mas não superficial. Por isso bom.

segunda-feira, abril 09, 2007

Semana santa


Neste fim-de-semana prolongado fui de bicicleta a um parque da cidade na tentativa de pegar uma sombra e imergir na coletividade. O caminho é suave; um ou outro carro zune, alguns buracos nas ruas, um ipê deita suas folhas na calçada rachada e pássaros brincam no crepúsculo - no feriado a urbe sorri, descansada. O anel externo do parque expele pessoas sorridentes, enquanto atletas de fim de semana esforçam-se em busca de uma vida que a correria semanal não permite. Invado aquele oásis guiando minha bicicleta por entre as árvores... eis que surge um policial fardado de maneira jovial em uma mountain bike da mesma cor da farda. A mão em riste sinalizando para eu parar e o rosto de quem proíbe. "Não é mais permitido andar de bicicletas neste parque", disse. Sorri. O policial fechou a cara em retribuição, mas continuei sorrindo. Achei a situação tão ridícula que não pude responder, apenas ri e acatei a ordem do homem da lei. Vaguei um pouco empurrando a bicicleta e sentei-me em um dos bancos do anel externo. Introspectivo por causa do fim-de-tarde observava o movimento. Uma construção d'um prédio enorme se impunha, sisuda, no horizonte; sob sua sombra uma família de catadores de papel revirava o lixo, enquanto uma viatura da polícia passava olhando para a parte interna do parque como quem guarda a tranqüilidade daqueles que a podem pagar. Sorri novamente.

quarta-feira, março 28, 2007

Aberrações


Dentro de cada um há algo que não pode [ou não quer] se manifestar. Há tantas camadas entre o self [a intimidade pura] e o mundo externo que demandaria uma energia psíquica gigantesca para que o que não-pode-ser-pronunciado se mostrasse à luz exterior. Um sussurro gasto ou um grito louco poderia ser o bastante; mas não é, pois ninguém entenderia.

Um clima sombrio, permeado pelo silêncio e iluminado por um tom ocre, emula a vastidão claustrofóbica que é o meio-oeste norte-americano retratado pelo texto de Steve Niles. Greg Ruth, o desenhista, carrega o ar com uma ambientação de uma sutileza desesperadora. Ler a HQ Aberrações no Coração da América é isto: compartilhar a solidão dos excluídos - e todos, no mais profundo, temos um quê de solidão.

Trevor, já adulto, rememora seus tempos de criança. No ambiente acima descrito, o pai opressor, sempre bêbado, e a mãe aprisionada por um silêncio submisso e pela violência do marido, não são o que há de pior. Por algum motivo não explicado, simultaneamente em diferentes famílias, na região vieram à luz crianças com aberrações genéticas que são, pelos pais, aprisionadas em porões. Mas, por mais diferentes que essas crianças sejam, ainda pulsa nelas aquele silencioso sopro de vida que temos, escondido em algum lugar, e que nos faz lembrar que [apesar de tudo] somos humanos.

Exclusão, submissão, silêncio, solidão, solidariedade e busca pela liberdade são as atitudes [humanas, demasiado humanas] retratadas de forma magistral por Niles e Ruth.

Se você ainda possui aquele ranço pseudo-erudito e pensa que os quadrinhos são uma forma de arte menor [ou, que heresia!, nem uma forma de arte] é bom correr a uma livraria mais próxima e adquirir o seu volume de Aberrações no Coração da América - ou vir aqui em casa e pedir-me o meu emprestado - e conferir por que há muito mais entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia pode supor. ;)

domingo, março 18, 2007

Minha (pequena) coleção de cds

Nestes tempos de fim do cd, paradoxalmente, aumentei meu consumo deles. O acesso ao .mp3, via torrents, emules e cia., permitiu-me aumentar consideravelmente meu universo musical. Se antes eu vivia de reciclagens de gostos antigos, hoje consigo garimpar na net não só os históricos discos de rock/jazz/mpb como me localizar com certa desenvoltura no que há de mais novo no mundo da música pop. Assim, estou tornando-me um consumidor voraz de música - para cada Freak Out! baixado, um Sky Blue Sky é ouvido. Entretanto, como disse acima, meu consumo de cds aumentou. Devo ser um louco.
Explico: a "moda" do Lp não me cativou; primeiro, porque não possuo um grande tocador de Lps e o som daqueles tocadores comuns de Lps não ajuda em nada; segundo, a maioria dos Lps encontrados em sebos não estão em boas condições e são relativamente caros. Quer dizer, somando-se o primeiro motivo com o segundo temos algo próximo do insuportável. Tenho alguns Lps, sim, em casa, mas somente por motivos decorativos e/ou de "pesquisa". Enfim, enquanto não possuir uma grana boa para investir em um bom toca-discos e discos de qualidade continuarei comprando cds. Querendo ou não, é mais fácil conseguir um cd com som melhor.

Mas afinal de contas por qual motivo continua comprando cds se pode ter acesso à eles de graça na net? - perguntaria um eventual leitor. Pelo simples motivo de que ter uma coleção de cds é demais! Não, não sou tolo. Como qualquer pessoa comum, dificilmente compro cds a preços proibitivos. Sempre prefiro comprar um dvd ou um livro ao preço de 40 dinheiros do que um cd. Sempre. Quando compro cds o faço quando é um cd histórico - tipo esta coleção da Som Livre, ou clássicos do rock - e/ou está com um preço amigável; ou seja, menos de 30 paus...
Enfim, estou com um coleção não muito grande de cds em casa, mas tenho certo prazer em tê-la; tipo é aquela coisa: é pequena mas é minha.
Moral da história: .mp3 é legal (e muito!) mas poder "tocar a música" é muito mais - é muito boa a sensação de tirar o cd da caixa enquanto a música toca e folhear o encarte, reparando na arte e, vez ou outra, conferir quem tocou qual instrumento em determinada faixa ou quem produziu o álbum. Enfim, é bem provável que eu seja, na melhor das hipóteses, uma espécie neo-romântico ou, desconfio, algum maníaco; mas o fato é que, nesta altura do campeonato, continuo comprando cds; e o melhor... com certo prazer!!! =)

domingo, fevereiro 11, 2007

Bicicleta


Há mais de dois anos ando de bicicleta pelo menos três vezes por semana. O uso da bicicleta como meio alternativo de transporte me deu a possibilidade de conhecer minha cidade [pelo menos os bairros próximos] por uma perspectiva bem diferente, imperceptível de dentro da cabine de um carro. Assim como me forneceu a exata noção da selvageria que é o trânsito. Pedalando, posso perceber que os sinais de trânsito, assim como algumas de suas leis básicas, são mero adorno. Os automóveis vêem a cidade como passagem; as praças, as faixas de pedestres, os sinais, os ciclistas e os outros veículos são meros obstáculos que, se possível, deveriam ser eliminados. Parece-me que a verdadeira lei é a da SELVA.

Desde que re-descobri a bicicleta como meio de transporte tenho me interessado pelas organizações e movimentos de afirmação da bicicleta como meio de transporte alternativo. Descobri, por exemplo, que em várias cidades do mundo a bicicleta está cada vez mais incluída nos projetos híbridos de transporte. E que há movimentos por todo o planeta para o desmonte do modelo de transporte individual[ista] baseado no automóvel. Aqui, infelizmente, temos poucas iniciativas desse tipo, o governo ainda serve a um modelo excludente [e lucrativo] de transporte que favorece somente à indústria automobilística; por esse mesmo motivo torna-se quase impossível o uso de bicicleta [mesmo o de transporte público] como meio principal de locomoção nas grandes cidades brasileiras. O cidadão [e a cidade] sofre[m] com esse modelo que encerra a todos nós num inferno de carros e fumaça.

Projetos que valorizam o transporte público e a construção de ciclovias deveriam ter maior ênfase no Brasil, já que a grande maioria da população não possui automóvel e as grandes cidades já não os suportam. Mas, infelizmente, estamos ocupados demais para preocuparmos com "o caminho entre o trabalho e a nossa casa" que as cidades brasileiras se tornaram e não percebemos que estamos vivendo num inferno cotidiano, e reproduzindo-o todos os dias.

sábado, fevereiro 10, 2007

O pessimismo nos salvará


O fim-do-mundo é logo aqui, e isso é bom.

Explico: se a desesperança é a tônica dominante de nossas expectativas quanto ao futuro próximo [também o longínquo], não nos resta nada além do desapego. E, dizem, o apego é o mal do mundo. Portanto, minha cara, a desesperança nos libertará.

Explico melhor: se na década de 1950 e meados da 1960 o Brasil era o país do futuro e deu no que deu, agora que não temos tempo [nem espaço] para otimismos estamos livres, já que não temos mais apego algum para a idéia do Brasil como uma nação. E isso eu acho maravilhoso. Alguém já reparou nas merdas que aconteceram por conta dessa idéia obscena? Pois bem, o que irá nos salvar é a total desesperança no país. Sem uma idéia de nação a turvar-nos os sentidos podemos preocuparmo-nos com coisas mais importantes como: nós mesmos e nossa vizinhança.

Outra: se quando a humanidade pensava que estava numa locomotiva à mil, rumo a um futuro luminoso, e deu no deu. Podemos ver uma luz no fim do túnel agora que estamos caminhando para um apocalipse biológico. A humanidade com uma certeza é um perigo! É só lembrar das merdas que o cristianismo, o colonialismo e o socialismo já fizeram. É preciso um tragédia iminente, com a obscuridade agarrada a seus pêlos, para não saírmos como as bestas loucas que somos promovendo extermínios e passando por cima de nosso próprio habitat...

Bem, claro que nada é tão simples assim; afinal, a humanidade ainda não parou de fazer merdas [nem com o apocalipse sob os pés], nem os brasileiros tornaram-se um povo menos tosco - mas a desesperança já é um bom sinal. Ou eu que sou um otimista inveterado.

quarta-feira, janeiro 03, 2007

[Doismilesete]

Poeira de 2006 > Preciso parar de fingir que o tempo não passa. Fim de ano dá a exata noção do que é o tempo - acúmulo [perda?]. Se atraso o relógio é por ter finalmente entendido que é preciso adiantá-lo - passo a perceber a urgência das horas >> a urgência de agarrar pelos cabelos a velocidade do que passa na tentativa [vã, bem sei] de tentar domar a vida.

Desejos > rasgar o véu protetor, sair debaixo da sombra da estátua do herói. Enfim, urrar em resposta à vida.

Súbito > transmutar, variar, oscilar, desvelar... aprender.

Parênteses > Alterações de sentido > a embriaguez [perigosa], na boca da mata à luz da lua, me disse que escolher é perder > a razão [vacilante], sob o sol quente de uma terça feira, me diz que é preciso correr o risco.

Festas > No Natal o círculo familiar se fecha novamente. É o momento em que o passar dos anos parece não fazer tanto sentido > minha família reencontra os laços perdidos em algum lugar do início dos anos 90 e volta a fazer um círculo movido a muito vinho, carne e risos.

Nula > a Morte caprichou nesse fim de ano > levou tanto conhecidos quanto ilustres desconhecidos > de colegas da faculdade, passando por Sivuca e James Brown e chegando em Saddam.