terça-feira, outubro 31, 2006

Maestro


Há uma semana morreu um dos mestres da música brasileira, o maestro Rogério Duprat. Músico de formação acadêmica, ganhou fama principalmente com o envolvimento com a música popular - contribuindo com a (con)fusão das fronteiras entre a música popular e erudita. Duprat, ao lado de Damiano Cozzela e Julio Medaglia, participou do grupo de vanguarda Música Nova. Incontentes com os rumos da música dita erudita, o grupo viu na música popular uma chance de aproximar com o público de forma mais visceral - um dos frutos mais vigorosos dessa aproximação foi o movimento tropicalista. O maestro conduziu o disco manifesto do Tropicalismo, Tropicália ou Panis et circensis, ao lado de Caetano, Gil, Tom Zé, Nara Leão e Os Mutantes [uma das bandas de rock mais interessantes que já pisaram no planeta Terra!] incendiando com seus arranjos e happenings a música popular brasileira, lançando estilhaços por toda a cultura nacional e mudando os rumos da forma-canção no país [os ecos da explosão tropicalista ainda hoje podem ser ouvidos]. Além de trabalhar com outros músicos como Walter Franco, no experimentalíssimo disco Ou não de 1973, e com Erasmo Carlos, no esquecido, porém divertido, disco Carlos, Erasmo de 1971, trabalhou com trilhas de filmes e jingles.

Essa nota é uma tímida, porém sincera, forma de homenagear um grande artista que embora com grandes contribuições para a cultura brasileira é pouco lembrado.
Evoé, Duprat!

segunda-feira, outubro 09, 2006

Country


Há pelo menos duas décadas meu pai corta o cabelo no mesmo salão. Coincidência ou não é o mesmo salão que meu saudoso avô cortava. Ali no bairro de Campinas, próximo ao Mercado Central (uma das sensações mais nítidas que tenho da minha infância é o cheiro de fumo de rolo vendido no mercado associado ao ato de cortar cabelo). Meu irmão parece confirmar os genes do lado paterno da família; uma vez por mês, impreterivelmente, vai ao salão preferido de meu avô e de meu pai. Eu que não sou afeito às tradições capilares da família (ainda mais as que custam quinze reais) não confirmo a regra. Prefiro flanar pela Vila União em busca de um salão agradável.

Numa dessas buscas por um salão perfeito fui parar no Salão Nunes, que fica ali encrustado entre uma loja de roupas e uma sapataria. O salão saltou aos meus olhos por ser parecido com os salões da minha infância e pela figura do dono: um senhor já na "melhor idade" [hoje em dia é importante sermos politicamente corretos] com uns óculos-tartaruga que lhe dava um ar de respeito, ou de tradição. Ao entrar fui bem recebido pelo senhor. Sentei-me numa daquelas distintas cadeiras, sendo logo interpelado por Nunes (deduzo que o nome seja esse):

- Vai um corte social?! - disse impositivo.
- É. Quero que mantenha o corte, mas que tire um pouco mais das laterais. - respondi
- Humm... Então não é social. - disse Nunes desconfiado.
- É?!... Pois é, é assim que eu quero. - tergivesei.
- Asa-delta, então, né?!
- É só manter o corte e tirar um pouco a mais nas laterais. - tentando sair das definições capilares
- Hmmm... - murmurou
(afirmei com a cabeça)
- Ah, então é o Country! - disse Nunes eufórico.
- ...

Nunes nem esperou minha resposta e já foi logo arrancando tufos. Tão eufórico ficou por conseguir associar meu estranho pedido ao seu vasto catálogo de cortes capilares que quase me arranca uma orelha...
É, quebrar tradições tem seu preço!

sexta-feira, outubro 06, 2006

O Professor


Há duas semanas atrás saiu na revista Carta Capital uma matéria na sessão Brasiliana intitulada Professor, Cadê Você? de Bruno Moreschi. Sem dúvida nenhuma uma das melhores matérias que eu já li na revista. O jornalista conta a história de moradores de rua de Florianópolis que compartilham uma angústia: o desaparecimento de um companheiro. Até aí nada de anormal. O fato que impressiona é a figura do desaparecido. Chamado de Professor pelos companheiros, o personagem em questão fala diversos idiomas, dá aulas de Marx e Weber e, ao que parece, já conheceu diversos países. Impressionante ainda é o fato de que após o repentino desaparecimento do Professor, seus companheiros criaram uma espécie de seita, que vê no seu sumiço [e num hipotético retorno] uma missão secreta mística.

Hoje ao abrir o jornal local, O Popular, daqui de Goiânia tive um estremecimento. Um senhor, recolhido pela polícia há dois dias e internado no Hospital de Urgências de Goiânia, parece ser o professor. Impressionante ainda é o fato de que esse senhor exige "o direito constitucional (sic) de não ser alimentado nem medicado e de morrer". 25 quilos mais magro, Carlos Weizel (o verdadeiro nome do Professor - o senhor só confirma o primeiro nome), está sendo alimentado e medicado por força de uma decisão judicial.

Fico pensando a que tipos de peripécias e aventuras passou o Professor para chegar até Goiânia. Mais, qual foi o erro na sua matemática mística para ser pego tão facilmente pela ineficiente máquina médico-estatal brasileira.
Vai ver se cansou de sua missão secreta.

quarta-feira, outubro 04, 2006

Cidade


Viver na cidade grande é sempre não estar. A cidade somos nós, por isso não podemos nos encontrar nela, precisamos sempre sair. Estar fora para vermos o seu entorno.Interior atingido pela exterioridade; o campo, o espaço aberto, o parque, o aeroporto - exterioridades no interior da cidade. Linhas de fuga necessárias, pontos de encontro. Lugares fixos na cidade sempre móvel. Assim, por estarmos tão imersos nela fabricamos sua exterioridade. O parque, o campo, o espaço aberto e o aeroporto são os pontos em que as linhas se convergem e se dispersam, os nós de ligação de uma geografia do desencontro.

O curta-metragem do diretor Rafael Gomes, Alice, ganhador de diversos prêmios, mostra muito bem a cidade como o lugar da busca, do desencontro, da velocidade e da mobilidade. Notem que os pontos de encontro são fixos, porém a mobilidade impede qualquer estabilidade. Os personagens estão sempre de partida, assim como nós.

Quadriphonia

[update]: A Ju certa vez me disse que este blog - cujo o nome, quadriphonia, sintetiza - é uma antimonografia. Concordo, mas acrescento que não pretendia negar nada, mas afirmar algo de uma maneira interamente nova. Nesse sentido, quadriphonia seria a escrita produzida como uma música, coisa que aprendi justamente na fase final da minha vida (?) acadêmica. Portanto, se hoje parece que nego a academia, foi através dela (ou de sua ausência) que reencontrei alguns fragmentos de alegria que um dia possuía. Assim, este blog é isto: o resgate de algo que deixei de lado por causa da faculdade, mas que só foi possível pelo amadurecimento (?) que adquiri com ela.

Mais um blog que (re)nasce.
Desta vez num ambiente quadrifônico , portanto, meus caros amigos, os sons podem apanhá-los de surpresa.
Este é um blog que nasce ao poderoso som da Sagração da Primavera de Stravinsky, o que isto quer dizer ainda não sei. O que sei é que além de pretender ser leve ele nasce de uma necessidade de dar voz a palavras [ou desejos] antes silenciadas. Portanto, esperem posts curtos e muita vida fluindo dos espaços entre as palavras.
Espero que gostem!

terça-feira, outubro 03, 2006