segunda-feira, julho 09, 2007

Caetano (não) é rock


Até uns três anos atrás quando me falavam de Caetano Veloso surgia na minha mente a figura de um sujeito babaca com um violão a tiracolo a cantar "Sozinho". É verdade, Caetano não deixou de ser um sujeito babaca, eu que deixei de ser burro. O (re)conhecimento do tropicalismo enquanto marco fundamental e transgressor na música brasileira ajudou a espantar um pouco aquela áurea banquinho-e-violão-para-meia-dúzia-de-boçais que faz parte do imaginário sobre o artista (que, é preciso dizer, ele mesmo ajudou a construir). Enfim, ao perceber o que se passa entre a imagem construída coletivamente e a mensagem transmitida pelo artista, pude aproximar-me com menos preconceito da obra do artista e consequentemente mergulhar de vez na música popular brasileira como um todo.

No último sábado, houve um show de Caetano aqui em Goiânia. O show foi parte da turnê do último disco de Caetano, (2006) - disco esse que é vendido como o "disco de rock de Caetano" ou "a volta de Caetano ao rock". Rótulo que cai muito bem quando não se conhece o suficiente a trajetória do artista baiano. Aliás, é preciso dizer, Caetano nunca foi rock; há nos discos tropicalistas do artista uma forte aproximação ao pop, o rock como (ex?)representante-mor daquele entra no balaio de discos como o de 1969 e Transa (1972), portanto. Enfim, quebrei meu porquinho e fui assistir ao tal show de rock de Caetano.

Ao chegar ao local do show senti uma falsa surpresa ao constatar que estava vazio demais. Falsa surpresa porque já sabia que por aqui é difícil convencer muitas pessoas a assistirem a um show de Caetano, ainda mais num dia de jogo da Seleção brasileira e, como agravante, com os preços dos ingressos nada convidativos. O local de show não era nada aconchegante: um salão de clube já tradicionalmente improvisado para eventos musicais e outros nem tanto. Afora o preço dos ingressos, o frio cortante e as socialites (inclusive uma cambista! - está cada vez mais down na high society) tudo parecia bem. Foi possível assistir ao show com certa liberdade visual, sonora e espacial.

Surpreendentemente os primeiros acordes de guitarra foram ouvidos com somente alguns minutos de atraso. A figura daquele sujeito que vez ou outra aparece nos media a tratar de assuntos irrelevantes de maneira quase sempre ruidosa se desvaneceu; surgiu em seu lugar um velho vestido com uma jaqueta jeans, sobre a camiseta roxa, e uma calça Lee cuidadosamente rasgada em certos pontos das coxas e canela. "Você nem vai me reconhecer quando eu passar por você", dizia a letra enquanto um punk rock tosco (não, neste caso não é redundância!) o seguia. A face velha sob o cabelo branco foi rasgada de ponta-a-ponta pelo indefectível sorriso do baiano, enquanto as mãos e os quadris seguia uma dança a la Elvis Presley; reaparecia ali Caetano Veloso. A iluminação roxa, a performance corporal, as letras e a (ótima) banda evocava a eterna puberdade roqueira, enquanto a figura do artista o tempo inteiro a manipulava a torto e a direito. Caetano Veloso é um pastiche de rocker - seja acenando ao público, seja na ridículas corridinhas jaggernianas, seja no violão vazado e abafado pela estridência da banda.

No show Cê, fica claro o que no disco já era perceptível: a idéia de que o (re)encontro entre Caetano Veloso e o rock é uma farsa. A eterna juventude roqueira é ali afirmada ao mesmo tempo em que se afirma e se esconde o envelhecimento do/no rock. O rock exige a apropriação de uma nova postura corporal para Caetano e o corpo já velho exige do rock uma subserviência a seus limites.O corpo que contorce, deixando a pelvis à frente, verte violência (sexual) sempre presente e necessária, enquanto as letras simulam espontaneidade e virilidade. São evidenciadas, portanto, as relações nada simples entre sexualidade e juventude em um estilo musical que já passa dos cinqüenta (Rolling Stones, Mutantes, Roger Waters, Pete Townshend e Robert Plant são algumas das sombras de uma geração que envelheceu com o rock) explicitando assim algumas engrenagens da indústria do rock.

Nestes tempos em que Lobão se acalma no banquinho-e-violão cantando loas a indústria fonográfica, Caetano Veloso se ergue com premeditada e sarcástica fúria à frente de um power-trio, formado por Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e piano rhodes) e Marcelo Callado (bateria), deixando claro a sua idéia de que por mais bem feito que o rock possa ser feito fora dos Estados Unidos, será sempre um pastiche... Ao apropriar-se e desnudar os cacoetes do rock, Caetano desconstrói o rock (brasileiro) e o confunde com sua própria trajetória; destrói, assim, um mito e funda outro em seu lugar.

3 comentários:

Anônimo disse...

Por várias vezes venho a este teu blog e não consigo abrir esta página para comentar( talvez alguma providência divina tenta me impedir de expôr meus apontamentos ridículos). Hoje foi diferente, consegui. Agora, cá estou, sem ter o que dizer. Eu não assisti ao Show do Caetano e nem de nenhum outro músico, mas reparei que vc assistiu sim, muito bem,e conseguiu fazer uma crítica ótima, boa de ler, e estou achando que você domina a técnica.

Anônimo disse...

Muito bom o texto. Digno de algum que fez pesquisou sobre a tropicália. Tá vendo que nossos cursos de humanas vez ou outra servem para alguma coisa.

Thiago Barbalho disse...

é, gostei desse disco como há muito não gostava dos dele. É refrescante o prazer que se tem com certas canções.
Ah, e OicomovaiQuantotempo.