
Se Roberto Carlos representa uma face desagradável do Brasil (o subdesenvolvimento, o catolicismo e o autoritarismo), Erasmo Carlos suscita uma visão mais anárquica, leve e, por que não?!, festiva deste país. O recente caso do acordo entre RC e a editora Planeta para a proibição e queima (!) da biografia do auto-intitulado Rei, figura entre os acontecimentos mais ridículos da última onda de absurdos que o Brasil enfrenta. Se, por um lado, Roberto figurou em manchetes durante todo o desenrolar do caso, Erasmo foi uma espécie de ausência explosiva. Esse acontecimento declara em auto e bom som a dialética sem síntese que faz do Brasil, Brasil.
Podemos ver isso não só nesse acontecimento específico, mas também nos trabalhos autorais dos dois músicos. O último disco de RC, Duetos, lançado no final do ano passado, repete àquela autofagia decrépita que se tornou a sua figura - os convidados são meros suportes para a sua fantasmagoria. Já Erasmo Convida II é um alento; Erasmo imerge de tal maneira nas participações que, vez ou outra, nos perguntamos se o convidado ali é ele; leveza, alegria e sensibilidade emanam das canções. Entretanto, há uma ausência que paira por todo o disco; a figura de Roberto Carlos - a maioria das canções são parcerias entre os dois. Taí a dialética estática de que falei acima, ela nos lembra que a face do terrível por vezes se esconde no trivial; ou como diz a letra: "Tudo em volta está deserto tudo certo/ Tudo certo como dois e dois são cinco".